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Pierre Bourdieu

  Morre o sociólogo Pierre Bourdieu.




Haroldo Ceravolo Sereza, Estadao.com, Quinta-feira, 24 de janeiro de 2002 - 19h00.

 


 

ierre Bourdieu era um intelectual que intervinha no debate público, mantendo a tradição francesa de Zola e Sartre. Reconhecido internacionalmente por sua visão crítica da modernidade, tem 20 livros publicados no Brasil.  

São Paulo - Uma voz, uma ausência importante será sentida no Fórum Social e Econômico de Porto Alegre, marcado para 31 de janeiro a 5 de fevereiro, a de Pierre Bourdieu, que morreu aos 71 anos, em Paris. O mais importante teórico do movimento antiglobalização, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, morreu em decorrência de um câncer, no Hospital Saint- Antoine de Paris. Além de influenciar pesquisadores e acadêmicos nas mais diversas áreas das ciências humanas, Bourdieu, catedrático do prestigiado Collège de France, era um intelectual engajado, seguidor do caminho aberto pelo escritor Émile Zola, com sua intervenção em favor do caso Dreyfus, em seu centenário texto J´Accuse!, e aprofundado pelo filósofo Jean-Paul Sartre. Em uma mensagem de pesar pela morte do sociólogo, o primeiro-ministro francês Lionel Jospin afirmou que Bourdieu era "um mestre da sociologia contemporânea e uma grande figura da vida intelectual da França".

Nos últimos dez anos, Bourdieu se destacou por assumir a linha de frente do movimento antiglobalização, pelo menos no campo teórico. Sugeriu, inclusive, a criação de uma Internacional Intelectual. "O que eu defendo", dizia já em 1992, "é a possibilidade e a necessidade da crítica intelectual; não há democracia verdadeira sem um contra-poder crítico, e o intelectual é um deles, de primeira grandeza." Na sua opinião, a globalização - ou mundialização, como os franceses preferem - não poderia se "render às leis do comércio" e, ainda, esmagar culturas nacionais. O francês se pretendia parte da "esquerda da esquerda" - o que é diferente de extrema-esquerda - e acusava os socialistas franceses, que chegaram ao poder no início da década de 80, de destruir, em dez anos, a credibilidade do Estado e sua capacidade de ação em nome do liberalismo.

Todos os assuntos eram assunto para Bourdieu. Arte, comportamento, antropologia e filosofia faziam parte de seu repertório. Suas posições à esquerda levaram-no a ser acusado de populista e de marxista tardio. Ele não se importava e voltava ainda mais radical em suas posições.

Numa entrevista a Rita Tavares, publicada no Brasil em 1996, Bourdieu afirmava que vivíamos uma época de desigualdades crescentes: "Mesmo durante o capitalismo selvagem havia limites; contra o capitalismo, havia greves, etc. Agora, caminha-se para o capitalismo ilimitado; introduzem formas de gerenciamento antes inimagináveis. É a lógica do lucro sem limites. Isso é muito perigoso. Pode nos levar à barbárie."

O nome de Bourdieu ganhou destaque no cenário intelectual francês em 1964, com a publicação, com Jean-Claude Passeron, de Les Héritiers (Os Herdeiros), obra que, quatro anos antes do Maio de 1968, formulava uma dura crítica do ensino superior francês e de seus privilégios. Anteriormente, havia publicado trabalhos sobre a Argélia, já indicando uma escolha para questões relacionadas ao poder e à resistência a ele.

Recentemente publicados no Brasil, dois pequenos livros de Bourdieu reforçam o papel de sociólogo engajado, que o pensador francês decidiu desempenhar especialmente depois do sucesso de público em 1993, com a publicação de A Miséria do Mundo (Vozes), organizado por ele. Em Contrafogos e Contrafogos 2 (Jorge Zahar), Bourdieu fornece argumentos para atacar os defensores do neoliberalismo. Contrafogo é uma técnica usada para combater, justamente, o fogo: um lança-chamas direcionado a um incêndio queima o oxigênio que alimenta o fogo original, auxiliando a ação dos bombeiros. Ou seja: para Bourdieu, não é "resfriando" o capitalismo, suavemente, com jatos d´água, que o movimento social poderia fazer recuar o processo, mas usando armas semelhantes às da força globalizante: um bom início para isso seria a organização de organizações (como sindicatos, por exemplo) européias, contrapondo-se aos poderes da União Européia, especialmente da comissão, que não responde diretamente ao Parlamento Europeu. Num exemplo mais concreto ainda, Bourdieu gravou três aulas suas no Collège de France para depois transmiti-las por uma rede pública francesa - justamente para atacar a TV. Usava o veículo sem aceitar seus métodos e sua lógica, e assim nascia Sobre a Televisão (Jorge Zahar).

São cerca de 20 os livros de Bourdieu publicados no Brasil nos anos 90, por várias editoras. Entre eles, destacam-se Dominação Masculina (Bertrand Brasil), A Economia das Trocas Simbólicas, O Desencantamento do Mundo (Perspectiva) e As Regras da Arte (Companhia das Letras). O mais recente é Meditações Pascalianas (Bertrand Brasil), lançado no fim do ano passado. Em abril, a Relume Dumará lança Um Convite à Sociologia Reflexiva.


Morre o sociólogo Pierre Bourdieu.

Jornal da Tarde, Sexta-feira, 25 de janeiro de 2002.

Considerado um dos mais importantes pensadores do fim do século 20, o intelectual francês morreu anteontem, vítima de um câncer.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu morreu na quarta-feira à noite, no Hospital Saint-Antoine, de Paris, em conseqüência de um câncer, aos 71 anos de idade. A informação foi divulgada ontem por um de seus colaboradores, o sociólogo Patrick Champagne.

Professor catedrático do Colégio de França, Bourdieu exerceu enorme influência sobre os intelectuais brasileiros, estando presente na bibliografia dos principais cursos das ciências humanas do País.

Entre sua extensa e combativa obra, que trata de temas relacionados à cultura, artes, política, educação, meios de comunicação e literatura, estão livros que já se tornaram clássicos da sociologia crítica, como 'O Desencantamento do Mundo' (Editora Perspectiva), 'A Economia das Trocas Simbólicas' (Editora Perspectiva), 'As Regras da Arte' (Editora Companhia das Letras), e 'Miséria do Mundo' (Editora Vozes), esse, transformado em best-seller internacional.

Nessa publicação de cerca de mil páginas, Bourdieu assume seu compromisso de intelectual militante e parte para a teorização da exclusão social contemporânea. "Todo o meu livro é um esforço para reencontrar a espessura da realidade social e fazer ressurgir as dores que se ocultam nela", disse o pensador ao lançar o livro em 1993, desafiando os políticos para "saírem de sua estreita visão" e assumirem "todas as esperanças difusas" existentes entre os grupos sociais.

O livro é uma reunião de depoimentos de operários, professores, jornalistas, policiais, trabalhadores do mercado informal e jovens suburbanos. Falas precedidas de um texto de Bourdieu, ou de um de seus orientandos, que visam dirigir a leitura, explicar o contexto de onde surgiram tais entrevistas e explicitar os limites da transcrição desses testemunhos.

O racismo como um desafio teórico e político

Entre os desafios teóricos e empíricos que o sociólogo não se furtou a enfrentar estavam a compreensão do avanço do racismo e dos votos a favor da extrema-direita no fim do século 20. Sua atuação como intelectual militante compreendia desde o debate com a classe política, tanto de esquerda como de direita, como o engajamento em lutas sociais, engrossando as fileiras das causas dos imigrantes ilegais, dos desempregados e dos sem-teto.

Bourdieu, que iniciou sua carreira acadêmica em 1958 na Universidade da Argélia - em pleno período da guerra pela independência da ex-colônia francesa -, também foi um dos teóricos fundadores do movimento Attac, uma associação antiglobalização. A entidade, por meio da Editora Liber/Raisons, D'agir, publicou série de livros em que foram desferidas severas críticas ao neoliberalismo.

O primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, em um comunicado oficial de condolências, lamentou a perda, refererindo-se ao pensador francês como "um mestre da sociologia contemporânea e uma das mais importantes figuras da vida intelectual da França".
   


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