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  Pierre Bourdieu

 
   

sociologue énervant

 
   

 

Décès de Pierre Bourdieu :(
 

 
   

 


Pierre Bourdieu

  Bourdieu fez crítica à TV.




Jornal do Brasil, Rio, 25/JAN/2002.

 


 

N ascido em 1930 numa família de origem camponesa, Pierre Bourdieu ensinou em Moulins, em Argel, em 1958, quando crescia o movimento pela independência da Argélia, e em Lille, no Norte da França. Em 1964 o sociólogo havia chamado atenção ao publicar, com Jean-Claude Passeron, o livro Les héritiers - Les étudiants et la culture (Os herdeiros - Os estudantes e a cultura), no qual, antes dos protestos de maio de 68, já fazia uma ácida crítica ao sistema universitário francês. Os dois desenvolveram na época o conceito de ''capital cultural'', segundo o qual a expressão simbólica teria um ''valor de troca'', semelhante ao do dinheiro e da propriedade.

Com suas intervenções marcadas pelo bom humor, a figura de Bourdieu tornou-se familiar a um público mais amplo, para além dos limites da universidade. Em 1980, ele deu seu apoio à ''anticandidatura'' do humorista Coluche à presidência da França.

Idealista - Depois de começar a ter publicados nos jornais artigos e entrevistas, Bourdieu passou a ser ouvido também pelas emissoras de TV, na qual os espectadores se habituaram a ouvir suas posições. Os temas poderiam ir da relação entre os sexos - ele é autor de A dominação masculina, publicado pela Editora Bertrand - até os males do neoliberalismo.

Num de seus mais de 40 livros, Sobre a televisão (Editora Jorge Zahar), o sociólogo pinçou este veículo como o exemplo mais gritante da ''lógica comercial'' que domina toda a mídia. Para José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, atual consultor da TV Globo, o livro de Bourdieu revela ''um acadêmico brilhante, mas bastante distante da realidade. Na prática, o que ele dizia não tinha aplicação''. Segundo Boni, Bourdieu achava que a TV tinha que ir além de entretenimento: ''Ele tinha horror à produção - incluindo edição, maquiagem, gráficos - e ao mercado. Para ele, era preciso eliminar isto para conseguir o maior grau de pureza do veículo. Só que não dá para bancar esta TV. Por isso, não o considero um crítico, mas sim um idealista, já que ele não oferecia um caminho viável. Mesmo assim, foi um acadêmico importante. Para quem sabe ler o que ele estava querendo dizer, é uma grande contribuição.''

Entre 1964 e 1980, Bourdieu assumiu a direção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. À frente da instituição, ele e sua obra nortearam a formação de gerações de intelectuais franceses e de outros países, inclusive do Brasil.

Intelectuais públicos - Carlos Benedeto Martins, professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, depois de assistir, em 1982, à aula inaugural de Bourdieu no Collège de France, participou também de vários seminários fechados com o sociólogo: ''Ele não falava mais do que dez minutos. Ouvia muito, escutava o que os alunos tinham a dizer de seus próprios trabalhos, fazia algumas observações e se retirava. Mas era muito claro, muito inteligente. No começo deste ano, estive em Paris e estava sendo exibido em um pequeno cinema o documentário sobre ele, La sociologie est un sport de combat (A sociologia é um esporte de combate) e estava lotado. E não de intelectuais, mas de jovens estudantes. E eles se divertiam, riam com o filme.''

Na opinião de Michel Misse, sociólogo, professor do Instituto de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ''até os anos 70, entre os acadêmicos franceses havia a tradição dos intelectuais públicos, que, além da carreira universitária, tinham também forte presença na sociedade. Mas essa tradição se desfez. Os últimos grandes intelectuais públicos foram Sartre e Merleau-Ponty. Hoje, voltaram a existir uns poucos e Bourdieu foi quem resgatou isso''.

O sociólogo exerceu influência marcante no pensamento universitário brasileiro, afirma Luís Werneck Vianna, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj): ''É o autor estrangeiro mais citado na bibliografia brasileira. Um orientando meu, Manuel Palácios da Cunha e Mello, em sua tese Quem explica o Brasil, mostra essa presença. É o pensador mais influente nas Ciências Sociais daqui.''


O amigo brasileiro do mestre
(i.e. Daniel Lins)

Jornal do Brasil, Rio, 25/JAN/2002.

O artigo é praticamente inédito - só foi publicado numa pequena revista acadêmica francesa - e vai constar do derradeiro legado de Pierre Bourdieu. Na terça-feira passada, o professor Daniel Lins, da Universidade Federal do Ceará, recebeu uma carta do mestre tratando dos detalhes da edição do texto Dois imperialismos do universal, escrito há cinco anos, no qual o sociólogo antecipa com impressionante precisão as conseqüências da hegemonia norte-americana. O trabalho fará parte da coletânea Repensar a América, que será em breve lançada pela editora Papirus.

Na carta o francês contou ao amigo, pela primeira vez, sobre a doença que o consumia. ''Estou profundamente doente e minha situação é grave'', disse, justificando a demora em escrever sobre a publicação do artigo. Lins, de 52 anos, e Bourdieu se conheceram em Paris, há 15 anos, e o cearense logo entrou para a órbita dos acadêmicos que gravitavam em torno do fascinante professor. Quando voltou ao Brasil, há nove anos, manteve estreito contato com Bourdieu, que passou a colaborar com os livros organizados por ele.

Em 1999, foi um dos autores presentes em Cultura e subjetividade: saberes nômades e, no ano 2000, em A dominação masculina revisitada. No ano passado, sempre pela Papirus, Lins publicou uma longa entrevista com Bourdieu, O poder simbólico econômico. Para este novo livro, Bourdieu sugeriu a reedição do texto que havia passado em brancas nuvens. Em sua análise, o sociólogo francês aponta que, num trágico fait-divers, a América se impôs como verdade única - tendo como símbolo o homem branco, alto e ocidental. ''Ele deu à Sociologia, que antes fazia apenas constatar, o pensamento típico da Filosofia'', define Lins. Que, porém, guarda uma lembrança mais singela do professor: o dia em que, num café em Paris, Bourdieu dissertava sobre a complexidade social enquanto, fazendo as vezes de garçom, servia croissants ao discípulo.
  

   


Pierre Bourdieu

       
 

   
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