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  Pierre Bourdieu

 
   

sociologue énervant

 
   

 

Décès de Pierre Bourdieu :(
 

 
   

 


Pierre Bourdieu

  O sociólogo militante.




Jornal do Brasil, Rio, 25/JAN/2002.

 


 

Morre o francês Pierre Bourdieu, renovador das ciências sociais e guru da luta antiglobalização.

Considerado o maior nome da Sociologia na França, responsável por uma renovação das Ciências Sociais que alcançou universidades de todo o mundo, Pierre Bourdieu morreu de câncer, aos 71 anos, na noite de quarta-feira no Hospital de Saint-Antoine, em Paris. Titular desde 1982 da cadeira de Sociologia do Collège de France, Bourdieu seguiu, a partir dos anos 90, uma tradição da vida cultural francesa - que vai de Émile Zola a Jean-Paul Sartre - ao projetar-se cada vez mais como um intelectual público, protagonista de polêmicas na imprensa e engajado em causas políticas. ''Não há democracia efetiva sem um verdadeiro contra-poder crítico. O intelectual é um deles - e de primeira grandeza'', disse certa vez. Apesar das críticas ferinas de Bourdieu à classe política, o primeiro-ministro da França Lionel Jospin, numa mensagem de condolências, afirmou que o país perdeu ''uma grande figura de sua vida intelectual''.

Embora tenha firmado sua reputação nos meios acadêmicos entre os anos 60 e 80, foi só na última década que Bourdieu tornou-se conhecido de um público mais amplo, ao assumir o papel de ideólogo do movimento antiglobalização. A imagem do militante acabou se fundindo ou se sobrepondo à figura do professor e pesquisador. Ao comentar essa dicotomia - para ele falsa -, Bourdieu escreveu num de seus últimos livros, Contra-fogos 2 (Editora Jorge Zahar): ''Pela lógica do meu trabalho, fui levado a ultrapassar os limites em que me tinha fixado em nome de uma idéia de objetividade, que passei a ver como uma forma de censura.''

A guinada de Bourdieu, marcada pelo lançamento em 1993 do livro A miséria do mundo (Editora Vozes), aproximou o intelectual dos movimentos sociais e lhe trouxe a amizade de personagens como José Bové, o agricultor francês que ficou famoso ao depredar uma loja de McDonalds em seu país. ''Para ele, a própria vida já representava um engajamento'', disse Bové, diante da notícia da morte do amigo.

Crítica - Para alguns colegas do mundo universitário, no entanto, a militância de Bourdieu teria roubado parte do rigor acadêmico de sua obra. Ao comentar a morte do sociólogo para o jornal Le Monde, Luc Boltanski, diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, preferiu distinguir entre ''uma obra importante e discutível, no bom sentido do termo, e a propaganda dos últimos anos, promovida por um grupo de seguidores dogmáticos''. Segundo Boltanski, ''como ocorreu com o lacanismo, ele tinha à sua volta, uma espécie de pequeno grupo de seguidores autoproclamados. A parte de sua obra que considero mais interessante é a que se refere à Antropologia. O mais discutível é o endurecimento do seu sistema a partir da metade dos anos 70, com uma forte tendência positivista.''

O francês Louis Pinto, discípulo de Bourdieu que publicou há dois anos um livro sobre o sociólogo, Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social (Editora FGV), explica que a originalidade de sua obra trouxe ''uma nova maneira de ver o mundo social'' pela qual ganham maior relevância ''as estruturas simbólicas''. Mas, se numa primeira fase Bourdieu priorizava, entre estas estruturas, a educação, a cultura, a literatura e a arte, nos últimos anos procurou dissecar a mídia, a política e a economia.

Para o filósofo francês Jacques Derrida, o mundo perdeu ''uma grande e original figura'', cuja maior contribuição foi ter tentado criar ''uma sociologia da Sociologia''.


Um intelectual para um outro mundo possível.

EMIR SADER, Jornal do Brasil, Rio, 25/JAN/2002.
Emir Sader é cientista político.  

Enquanto Sartre vivia, as pesquisas sobre o principal intelectual francês o tinham como hors concours, de tal forma sua obra e seu estilo de intervenção intelectual davam a pauta do tipo de atuação que um pensador engajado com o seu tempo deveria ter. Assim que ele morreu, a primeira escolha recaiu sobre Lévi-Strauss, uma espécie de anti-Sartre, nem tanto por haverem polemizado entre si, mas pelo estilo de trabalho acadêmico de Lévi-Strauss, que dizia ter assinado um único manifesto - ''de apoio à luta das nações indígenas brasileiras'' -, ainda assim porque diretamente relacionado a seu objeto de estudo e pelo vínculo estreito que ele havia estabelecido com o Brasil.

Iniciava-se assim um longo período regressivo, de predominância do conservadorismo na vida intelectual francesa. Do ''assalto ao céu'' das barricadas de 68, apoiadas por Sartre, passou-se ao minimalismo político de Foucault, expressão de posição defensiva, cética, ancorada numa visão pessimista do mundo, que renunciava aos grandes projetos históricos, com a desconfiança de que estes desembocariam fatalmente no totalitarismo. Passou-se de uma certa hegemonia do pensamento marxista ''com sua dicotomia capitalismo/socialismo'' à hegemonia liberal, com a centralidade da polarização democracia/totalitarismo, em que o capitalismo se apagava em favor da democracia liberal e o socialismo era condenado pela ''ditadura do proletariado'' teoricamente e pela natureza do regime soviético, em termos concretos.

Solidariedade - Esse clima se manteve na França até os anos 90, quando o pensamento crítico voltou a ocupar um lugar de destaque. A obra de Pierre Bourdieu tinha conseguido um acúmulo de capacidade analítica e crítica desde seus escritos ainda dos anos 60, com Jean-Claude Passeron, que deram partida para as suas grandes teorias da noção de ''campo'' e seus desdobramentos. Porém, o lugar político dessas elaborações era ínfimo, até que as brechas da hegemonia do ''pensamento único'' começaram a aparecer mais abertamente. Para isso Bourdieu teve um papel essencial, que é preciso reconhecer com todo destaque, mais além do poder analítico de suas obras teóricas.

Na greve do serviço público francês de 1995/1996, que derrubou o governo de direita e possibilitou o retorno dos socialistas, com Leonel Jospin, Bourdieu esteve à cabeça dos movimentos de solidariedade com o setor público e com espírito público, contra aqueles que, ''como Alain Touraine, por exemplo'', representavam o espírito de privatização do Estado, identificando a social-democracia com o neoliberalismo.

Aquela divisão marcou a intelectualidade francesa e representou um novo ponto de partida para o engajamento político de parte da sua intelectualidade, vinculada a novos movimentos políticos. Contemporâneos são o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignace Ramonet, uma convocação para romper com o ''pensamento único'', assim como a fundação de Attac e a própria coleção de livros de bolso dirigida por Bourdieu, que alimentou os novos movimentos.

Visões americanas - Bourdieu passou a ocupar o lugar de intelectual comprometido com a denúncia do farisaísmo teórico do neoliberalismo, com todas as suas variantes, inclusive a ''terceira via'', e com o apoio aos novos movimentos que questionam a globalização liberal em nome de um outro mundo possível. Na sua mais recente entrevista, Bourdieu se identifica plenamente com os movimentos que explodiram à superfície em Seattle e que desembocam no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Sua obra, restrita até aqui ao mundo acadêmico, tem sido recentemente divulgada de forma mais ampla, a partir do prestígio conquistado por Bourdieu nos combates ideológicos franceses, de que ele foi o protagonista mais importante. Um de seus textos mais recentes denuncia o que ele chama de ''argúcias da razão imperialista'', para designar as modalidades diretas e dissimuladas de hegemonia americana no pensamento acadêmico e até mesmo jornalístico ocidental. Também o Brasil é objeto de sua preocupação, ao constatar como as visões estritamente americanas sobre os temas raciais tendem a ser induzidas por uma parte do pensamento universitário brasileiro, em detrimento das análises concretas, do seu caráter necessariamente histórico.

''O que pensar, efetivamente, desses pesquisadores americanos que vão ao Brasil para incentivar os líderes do Movimento Negro a adotar as táticas do movimento afro-americano de defesa dos direitos civis e a denunciar a categoria de pardo (termo intermediário entre branco e preto, que designa as pessoas de aparência física mista), com o objetivo de mobilizar todos os brasileiros de ascendência africana em base a uma oposição dicotômica entre afro-brasileiros e brancos, no exato momento em que, nos Estados Unidos, os indivíduos de origem mista se mobilizam para obter do Estado americano (começando pelo Setor do Censo) o reconhecimento oficial dos americanos mestiços e deixe de classificá-los forçosamente sob a etiqueta única de negro?'' Esse é o estilo agudo e polêmico de Bourdieu, que, como nenhum outro intelectual francês contemporâneo, soube associar teoria e política, reflexão conceitual e intervenção concreta, crítica e ação. Sua obra e seu estilo, retomando aquele deixado por Sartre - tardiamente reconhecido, com justiça, como ''o intelectual do século'' -, apontam para os novos movimentos políticos e para uma nova geração do pensamento crítico também entre nós.
   


Pierre Bourdieu

       
 

   
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